Por Karina Fusco
Com presença garantida nos menus de bebidas de bares e restaurantes, a majestosa caipirinha é um verdadeiro ícone da cultura culinária brasileira e um dos maiores atrativos para estrangeiros que pisam em nosso país e querem provar as iguarias locais.
Graças à iniciativa do mestre barman Derivan de Souza na década de 1990, a caipirinha é o primeiro e único coquetel brasileiro na lista oficial da International Bartenders Association (IBA). Sua receita registrada leva um limão macerado com duas colheres de açúcar, uma dose e meia de cachaça branca e gelo.
Mas a história dessa bebida brasileira tem muitos capítulos que remetem a um passado distante. Segundo Rick Anson, professor de História da Gastronomia e de Bebidas da Universidade São Francisco (USF) e pesquisador do tema, a caipirinha tem origem no período colonial escravocrata. “Escravos vindos de Angola e Moçambique, que trabalhavam nas fazendas de cana de açúcar na região do Vale do Paraíba, tinham a permissão para a prática de suas religiões nos folguedos e preparavam uma bebida com a mistura de melaço de cana, cachaça que eles mesmos produziam e suco de limão. Era a protocaipirinha”, afirma.
No final do século 19, segundo o pesquisador, com a chegada dos imigrantes europeus, a mistura de cachaça, limão galego macerado, mel de laranjeira e dente de alho, sob a alcunha de “vacina para gripe” era feita para combater os sintomas da doença. “Depois, suprimindo o alho, foi chamada de batida paulista e passou a ser servida em quermesses”, diz.
A receita original e suas variações
Também há história por traz do nome dessa bebida democrática, que frequenta as mesas de todas as camadas sociais de norte a sul do Brasil. “Como pesquisador, atribuo o termo caipirinha a dois fatos: os frequentadores das quermesses falavam “vamos tomar a bebida da caipira”, referindo-se às moças que trabalhavam nas quermesses e serviam o item; e também à referência do homem do campo, que também preparava a batida, ser chamado de caipira”, diz Rick. “A notícia de que a caipirinha faz 100 anos em 2018 é balela”, completa.
A receita passou por ajustes e foi se espalhando por todas as regiões do Brasil, sobretudo onde havia a cultura da cana de açúcar. Atualmente, ao pedir uma caipirinha, o garçom ou barman entendem que o cliente quer consumir a receita original com limão, açúcar, cachaça e gelo. “Se for de outra fruta, o cliente precisa especificar “caipirinha de morango”, exemplifica.
No final do século 20, outras frutas originaram novas versões da bebida. Maracujá, abacaxi, kiwi, morango e tangerina foram entrando na receita e conquistando o paladar dos consumidores. “Também surgiram as variações: preparada com vodca é chamada de caipirosca, com rum ou pisco de caipiríssima e quando leva saquê o nome é saquerinha”, diz o barman Guilherme Araújo, chefe de bar do Banana Café.
Segundo ele, para fugir do comum, ervas e especiarias passaram a dar um toque especial ao preparo. “Hortelã, pimenta dedo de moça, manjericão, capim santo e alecrim são algumas sugestões, mas eles não devem ser macerados junto à fruta”, avisa.
Combinações perfeitas
Seja para petiscar ou em uma refeição, em dias frios ou de calor extremo, a caipirinha é uma companhia perfeita. Entre os pratos que tradicionalmente são harmonizados com ela, a feijoada está no topo das referências. “A caipirinha tradicional é excelente para consumir junto a pratos gordurosos, como a feijoada, já que o ácido do limão ajuda na digestão, quebrando as moléculas de gordura”, explica o professor do Senac, Paulo Pereira de Resende.
Sobre a fama de abrir o apetite, ele afirma que o conceito é verdadeiro, mas não se refere apenas à caipirinha. “Cientistas londrinos descobriram que, ao ingerirmos bebidas alcoólicas, instantaneamente nosso cérebro é alterado para o “modo fome”, o que explica o aumento de apetite. O estudo foi publicado no jornal científico Nature Communications”, relata.
Porém, outras comidas brasileiras como vatapá, baião de dois e sequência de camarão também se harmonizam muito bem com a caipirinha, de acordo com Rick Anson. O que prova mais uma vez que, predileções à parte, a caipirinha ainda será assunto para muitos capítulos de história e reuniões de amigos.